quinta-feira, 5 de maio de 2011

Domingos ofereceu o céu a Braga





Sinto-me afortunado por testemunhar história. Em 15 anos de profissão, vivi dois momentos profissionais que jamais esquecerei. O primeiro foi o título conquistado pelo Boavista, clube que tive o prazer de acompanhar durante 4/5 anos. O outro foi o surgimento do FC Porto de José Mourinho, no ano da conquista da Taça UEFA. Junto a esses dois momentos o de hoje - a consagração da meritória e sensacional campanha do Braga na Europa, que começou frente ao Celtic, da Escócia, na pré-eliminatória Liga dos Campeões, a 28 e Julho - jogos que acompanhei no Axa e em Glasgow.

Esperava algo assim? Só a partir do momento em que o Braga saltou fora da Champions, com pontos suficientes para seguir em frente. Aí, pressenti que a Liga Europa podia ser uma prenda inesperada para uma equipa que fez tão boa carreira na milionária competição da UEFA. O Braga mereceu. Mais do que qualquer equipa. Abordou a Liga Europa basicamente com um núcleo reduzido de 16 jogadores, e em todos os jogos Domingos teve de chamar ao banco dois ou mais miúdos do satélite Vizela. Fazer uma carreira europeia assim, com menos soluções e muito menos dinheiro que os demais adversários, é obra. Obra de um grande treinador.

Deixemo-nos de rodeios. Esta é uma «pequena» vingança de Domingos, o tal que era acusado por muita gente de não ter pulso, de não gostar de correr riscos, de se aproveitar do trabalho do seu antecessor. Todas estas teorias falaciosas caíram hoje com estrondo, por manifesta falta de sustentação e de verdade. O problema de Domingos foi este: teve o desplante de afirmar que queria fazer melhor que Jesus. Pecado original. Volvidos quase dois anos, pode-se acusar Domingos de ter sido modesto na projecção. Foi vice-campeão, levando o Braga a lutar pelo título até ao último jogo; conduziu a equipa à Champions, onde somou nove pontos, recheando os cofres da SAD com 13,5 milhões de euros de receitas directas; valorizou jogadores como Matheus, Moisés, reabilitou Miguel Garcia e Custódio, fez de Paulão um central de eleição e Alan um extremo de gabarito; leva agora o Braga à final da Liga Europa, num percurso em que teve de arrumar com adversários como o Lech Poznan, o Liverpool, Dínamo Kiev e Benfica. Em nove jogos em casa, o Braga apenas sofreu golos frente ao Shakhtar. De facto, Domingos devia ter prometido o céu quando sucedeu a Jesus, porque foi isso que deu aos bracarenses.

6 comentários:

Dejan Savićević disse...

será que agora o sporting o segura???

Pascoal Sousa disse...

Segura.

Dejan Savićević disse...

ainda bem....

Pedro Ribeiro disse...

É verdade. Todo o mérito vai direitinho para Domingos. Com um plantel limitadíssimo, na Liga Europa, quase sempre a precisar de recorrer a atletas do Vizela para compor o banco, só a organização, a inteligência táctica e a personalidade da equipa (obviamente cunho do treinador) permitiram chegar a uma final completamente fora das cogitações do mais empedernido bracarense, não há muitos meses.

Francamente, apenas admiti a possibilidade (ainda assim pouco provável) de chegarmos à final após a eliminação do Liverpool. Nessa altura, sim, pensei que quem tinha sobrevivido sem grandes sobressaltos a Anfield, poderia ultrapassar qualquer obstáculo que se lhe impusesse.

Estou surpreendido sobretudo pela capacidade que Domingos teve de abstrair o plantel das questões relacionadas com a sua continuidade. Temi nessa altura um fim de época muito complicado. Afinal, foi o contrário. Domingos fechou o grupo e sacou o máximo rendimento de parcos recursos - que me parece que é um cenário em que ele é mais forte. Como o próprio Domingos reconheceu, a vitória em casa, na Liga, frente ao Benfica, foi um ponto de viragem. Daí para cá viu-se um Braga mais crente nas suas capacidades, rubricando algumas boas exibições.

Este é um cenário não exactamente previsível (naquela altura) mas que chegámos aqui a discutir: se o Braga conseguisse fazer um bom final de temporada, Salvador estaria em maus lençóis para justificar a sua decisão de não renovar com Domingos. Ficará assim com o ónus da sua decisão (só os pataratas é que não perceberam ainda que a responsabilidade pela não-continuidade de Domingos cabe a Salvador) e colocará um peso enorme sobre os ombros do nosso próximo técnico.

Contudo, ainda não é tempo de voltar a página. Há uma final para ganhar (por muito complicada que se anteveja) e um terceiro lugar a conquistar - se bem que, para alívio de Domingos (e, se calhar, de toda a gente) este último objectivo tenha passado para segundo plano. Mas o Braga tem de contar com as eventuais sequelas do caso das fotos que, estou certo, animará a "silly season"...

Pascoal Sousa disse...

Pedro, concordo com tudo o que disse, mas mantenho reservas quanto à questão do Salvador. Não há timings perfeitos no futebol, mas de uma coisa eu sei: «este» Braga, independentemente do valor e competência dos treinadores que por lá passaram nos últimos 8 anos, é uma invenção do vosso presidente. Todo o mérito do ressurgimento do Braga no patamar nacional e internacional tem de lhe ser creditado, sem reservas de qualquer espécie. Quando Salvador decidiu terminar com a ligação a Jesualdo, também se disse que era um tremendo erro de gestão. O tempo encarregou-se de desmentir essa ideia. Jesualdo lançou boas sementes e o fruto cresceu na mesma, com vigor e muito sumo. Tudo tem o seu ciclo e o Domingos tem tudo para acabar o dele em beleza. Pergunto: mesmo havendo receptividade das duas partes, fazia sentido renovar contrato? Aparentemente, sim. Mas eu digo agora que, se calhar, depois de tudo o que foi alcançado, depois de ver o Braga numa final europeia e com a possibilidade de destronar o Sporting do pódio, chegou o momento certo para se abrir outro ciclo - na vida do clube e do treinador. O Braga vai continuar forte, pode vacilar, pode hesitar, mas o crescimento do clube não dependerá tão cedo dos humores do destino mas sim de uma gestão coerente e profissionalizada que foi imposta pelo Salvador. Reconhecer isso é saber de que fibra é realmente feito este Braga moderno e que na Europa é «case-study» como ainda hoje tive oportunidade de escrever na Bola. Depois do Domingos não será o abismo. Nem o Sporting será o fim do Mundo para Domingos, como os ingénuos sustentam. Há que saber estar. Domingos sabe estar. Salvador também. Abraço

Pedro Ribeiro disse...

Bigsousa,

o seu raciocínio pode fazer sentido, a posteriori. Há três-quatro meses atrás (quando o divórcio SAD-treinador se tornou notório) este final de época não era (nada) previsível.

Neste momento, perante os adeptos, a responsabilidade pela saída de Domingos recai em Salvador, mesmo se olhando à situação actual, a não-renovação de Domingos seja um passo lógico para este - o que mais teria a provar em Braga!? Esse facto vai colocar um peso tremendo sobre os ombros do próximo treinador que, evidentemente, será olhado com desconfiança e que precisará de provar, através de resultados, logo de entrada.

De todo o modo, acho que já o tinha dito, qualquer que fosse o técnico, o próximo ano será o início de um novo ciclo. Mesmo que fosse com Domingos, haveria que construir uma equipa praticamente nova, praticamente sem ninguém que partiu (com Jorge Jesus) para este ciclo. Mossoró, Paulo César, Vandinho e Alan são os actuais sobreviventes (de primeira linha) e é crível que um ou outro destes saia. Portanto, Haverá que gerir muito bem as expectativas, reduzindo a fasquia - que está muitíssimo alta - porque o que espera o próximo técnico é uma tarefa árdua. Eu até acho que Leonardo Jardim é homem para a tarefa (embora, já o disse, tenha desconfiança quanto à sua postura como pessoa, pelo seu histórico). Mas vai precisar de alguma sorte de entrada. Sem isso, não terá tranquilidade para trabalhar.

Em relação ao Domingos no Sporting, também acho que pode ter sucesso, fundamentalmente porque está rodeado por dois homens que sabem como se gere uma equipa de futebol: Luís Duque e Carlos Freitas. Esse pode ser inclusive um problema acrescido para Salvador: o sucesso de Domingos ser-lhe-á atirado à cara, caso as coisas não corram bem em Braga.

E é lógico que o crescimento do Braga se liga muito à gestão de Salvador, independentemente do mérito dos técnicos que pelo Braga passaram. Isso nem se discute. Mas comete erros, como toda a gente, alguns por falta de serenidade na hora de decidir.

Abraço!