terça-feira, 15 de junho de 2010

Não percam o Norte



A sobranceria e lassidão com que o Brasil abordou o jogo com a Coreia do Norte deve servir de lição a Portugal. A propósito de Portugal: Bastou empatar com a Costa do Marfim para a Selecção Nacional abrir brechas (por via do episódio com Nani e as declarações, ontem, de Deco) que indiciam, na minha forma de ver as coisas, que a propalada união do grupo não se sobrepõe aos interesses pessoais. Não é grave? Realmente, todas as grandes selecções deste Mundial parecem sofrer com esse problema...

De volta à Coreia do Norte: os meninos do «Querido Líder» cativam simpatia pela abnegação com que se entregam à luta e há ali dois jogadores, Tae-se Jong e An Yong Hak, que se destacam dos demais. Mas sejamos francos: quem perder pontos com esta selecção não pode nem merece ir longe no Mundial. Resumidamente, os coreanos defendem com toda a gente atrás da linha da bola e se os deixarem saem para o ataque com grande velocidade. Acima de tudo, defendem. Fruto das suas limitações, têm uma visão prática do futebol que os impele a evitar que o adversário chegue rapidamente ao golo.

Portugal foi paciente frente à Costa do Marfim. E foi que se viu. O Brasil, pelo contrário, convocou a paciência dos seus adeptos com um jogo feio e sem ideias na estreia. A urgência com que os brasileiros atacaram no segundo tempo, com aberturas nas costas dos defesas coreanos e aplicando mais dinâmica na zona das batidas, arrumou com a resistência da Coreia do Norte. É isso que Portugal tem que fazer. A questão é se consegue fazê-lo, sabendo-se que a «artilharia» lusa está a milhas, em qualidade e poder de fogo, da brasileira. E não falo só de atacantes.

2 comentários:

Pedro Ribeiro disse...

Acho que não se trata meramente de uma sobreposição dos interesses pessoais à união do grupo. As palavras de Deco indiciam sim uma quebra de confiança entre (pelo menos alguns) jogadores e o treinador e mais do que isso, alguma falta de respeito. São declarações inadmissíveis, independentemente de alguma razão que Deco pudesse ter. Se tinha algo a dizer ao técnico, dizia-o em privado, com toda a naturalidade, preservando o grupo. Mas não. Deco quis mesmo marcar uma posição e fê-lo a meu ver de forma deliberada - porque Deco é uma pessoa ponderada e cerebral e não é um palerma que diz a primeira coisa que lhe vem à cabeça como outros que para lá andam. Aliás, quem ouviu (algumas das) suas palavras na zona mista do estádio percebeu que Deco disse o que disse com a tranquilidade de quem sabia o que estava a dizer.

O que me parece é que Deco quis mostrar que (pelo menos parte de) a equipa não concorda e não acredita nas opções (ou não se revê na liderança) do técnico - e que é ele que está na base do rendimento insuficiente da selecção. Tão simples quanto isto.

Não sei como Queirós pode pactuar com isto, sendo certo que, se as coisas estão neste pé, já não há uma boa solução para isto. Mas se Queirós ainda tiver algum amor-próprio Deco não pode voltar a jogar neste mundial. E sem Deco (que diga-se nem tem grande razão de queixa porque a Costa do Marfim anulou-o por completo), Queirós deve fazer o que já há muito deveria ter feito, à falta de um jogador com as suas características: recorrer ao plano B e ao 4-4-2 que testou algumas vezes (na Dinamarca, por exemplo) com Liedson e Cristiano na frente (este mais solto), com Simão ou Danny no papel de pivot ofensivo, apoiado por dois médios interiores e dois laterais mais participativos (Coentrão e talvez Amorim porque não sei o que lá foi fazer Miguel).

Mas se o ambiente no seio da selecção está como suspeito, dificilmente novas (ou velhas) soluções tácticas darão fruto...

Pascoal Sousa disse...

Muito bem analisado, Pedro. Como você disse, e eu concordo, começa a ser visível um fosso preocupante entre equipa e treinador. Quando isso acontece, seja na selecção ou nos clubes, os jogadores têm tendência a colocar ênfase nas suas próprias ideias e conceitos, ao invés de tentar falar a uma só voz. É nessa perspectiva que vejo emergir os tais interesses pessoais que, naturalmente, mexem com o grupo - no mínimo com uma parte dele. Estamos a falar de Deco, podemos falar, também de Nani. São jogadores mediáticos, cuja opinião chega facilmente ao grande público e cujas palavras são ampliadas até dar volta ao Mundo. Ainda há pouco fui a um site da Indonésia em que no topo da secção desporto estava o suposto conflito Deco/Queirós. Outro ponto em que concordo em absoluto consigo: Deco disse o que disse em consciência, não se pode falar do calor pós-jogo ou de pressão dos jornalistas. Deco vem de uma cultura diferente, em que se fala abertamente dos problemas, em que se mete muitas vezes o dedo na ferida. À luz dos nossos conceitos, pode parecer excessivo, mas eu acho que quem está errado não é o Brasil ou os sul-americanos.
Abraço